
Beato Pier Giorgio Frassati, jovem italiano, leigo, beatificado pelo Para João Paulo II em 20 de maio de 1990. Eis as palavras do Santo Padre, sobre este jovem, também chamado “o homem das oito bem-aventuranças”: “Pier Giorgio é também um homem do nosso século, o homem moderno, o homem que amou muito. É um mestre a ser seguido. (…) Nele o Evangelho se converte em solidariedade e acolhida, se faz busca da verdade e exigente compromisso em favor da justiça.” Um jovem como tantos outros, que praticava esporte, gostava de teatro, artes, música… Mas que fazia de cada ato de sua vida um apostolado. Possuía, enfim, esta viva religiosidade varonil!
Muitos jovens se afastam da vida religiosa ao verificarem o contraste entre a aparente religiosidade exterior de alguns companheiros e sua esterilidade espiritual. Outros, trazem à prática da religião demasiado sentimento e por seu sentimentalismo fazem com que a religiosidade seja mal interpretada pelas pessoas sérias. Religiosidade é o culto de Deus conjuntamente prestado pela razão, o coração e a vontade. O coração ou sentimento tem, pois, também seu papel, mas um elemento não deve demasiar-se em detrimento dos outros dois. Da religiosidade exageradamente sentimental pode-se dizer o que, infelizmente, alguns afirmam de toda a religiosidade: ela é própria só para o povo e as mulheres.
Como? A religião é boa somente para o povo e as mulheres? Para os cultos, inteligentes homens modernos não serve? — Certo que serve! A religiosidade bem compreendida, real, varonil, serve e sem contestação!
E quando será ela, real e varonil?
Podem alguns ter idéias de religião adulterada quanto o quiserem; não poderão negar que ela é um dos mais belos ornatos que constituem a verdadeira nobreza do homem.
Em nossos tempos, tentaram tirar à religião sua autenticidade, e substituí-la por diversas especulações científicas; em vão! Onde se atacou a religião, começou a decadência da virtude, da honestidade, do sentimento do dever, da consciência, do caráter — numa palavra, dos mais belos ideais da humanidade. Podemos buscar exemplos na história dos antigos gregos, dos romanos e outros povos. Ali, a vida dos próprios sábios, que procuravam tudo o que era bom e nobre, não se isentava de falhas, porque eles não conheciam a verdadeira religiosidade.
Mas, que é a verdadeira religiosidade?
Verdadeira religiosidade é a submissão da alma humana a Deus, nosso Criador e Supremo Fim. Esse “dobrar-se” nos dá forças contra nosso egoísmo, faz-nos independentes do mundo e de nossas inclinações desregradas. A religiosidade prodigaliza à alma tal ascendência sobre o mundo, que Kant a chamou com razão “Medicina universal”, pois nos torna capazes de suportar todas as penas.
Um grande general dizia: “Ser soldado é não comer quando se tem fome, não beber quando se tem sede, ajudar o companheiro ferido, quando a gente mesmo apenas consegue arrastar-se”.
Soldado de Cristo, no entanto, significa ser um jovem religioso; quer dizer, não cometer pecado, muito embora a tentação nos alicie; cumprir a todos os momentos o dever, por mais aborrecido que nos pareça; servir a Deus pelo heroico cumprimento de todas as obrigações da vida.
Se salvares alguém de um incêndio, ou retirares da água quem está a afogar-se, farás uma ação heroica. Contudo, em outras circunstâncias, terás o mesmo merecimento se recolheres um caco de vidro ou uma casca de laranja, para evitar que alguém corte o pé ou quebre uma perna. Ouvi contar que um jovem aventuroso sentara-se à margem do Danúbio, esperando que alguém caísse na água, para salvá-lo. Acho que ainda hoje lá está sentado e que envelheceu de tanto esperar. Entrementes ele perdeu mil ocasiões pequenas, que se teriam apresentado diariamente, para fazer algum bem. O valor duma boa ação não depende da dificuldade que apresentou, do tempo que durou, mas da prontidão, atenção, alegria e espírito de sacrifício com que foi realizada.
Meu ideal não é um jovem a quem errônea interpretação de religiosidade tira a alegria, o temperamento juvenil. Na realidade há desses “jovens piedosos”, que se retraem timidamente dos camaradas, não têm amizades e que consideram inconveniência e até pecado um bom humor tumultuoso, balbúrdia e chistes inocentes. São indubitavelmente jovens sinceros e dignos de respeito; mas julgam, ilusoriamente, que o sentimento religioso se restringe apenas a exterioridades.
O jovem deveras religioso nunca é excêntrico. Não fala muito de religião, mas vive segundo ela; com isso não quero dizer que dela se envergonhe. Entre bons companheiros, não procura ser a todo custo o mais valente; em companhia, porém, de camaradas levianos, não cede nem um ponto sequer de suas convicções.
Infelizmente, na alma de muitos moços, o sentimento religioso murmura apenas como um fio de água! Há por aí, lá longe, acima das nuvens, um bom velhinho, Deus, a quem devemos rezar, de vez em quando, ou porque dele queremos alguma coisa, ou porque o tememos; nisso consiste toda a sua religiosidade…
Santo Deus! Que esqueleto de religiosidade é essa, que pão seco em vez de alimento vivificante! O moço de fé profunda não representa a Deus muito acima das nuvens, uma vez que é incomensurável e ocupa o mundo inteiro, “pois, nele vivemos, nos movemos e somos”, e mesmo que o quiséssemos, Dele não poderíamos fugir.
Nem por sombra deveríamos fugir de Deus: Ele é o amor infinito que nos obriga a dobrar os joelhos; é a bondade inesgotável que atrai o coração do homem com força magnética.
Para o jovem verdadeiramente religioso, Nosso Senhor não é uma ideia oca, uma vida que se aprende onde nasceu, onde viveu, onde padeceu: Jesus é para ele uma realidade, cujo ser divino o grava em sua alma e nela se incorpora. Sem Ele a alma é uma gélida câmara frigorífica; no melhor dos casos, um jazigo mortuário, ornado de joias preciosas, sempre contudo um túmulo sem vida, sem calor, sem coração a pulsar.
Muitos jovens julgam religiosidade certo gosto de rezar e ir à igreja. São apenas formas exteriores de religião, aliás necessárias; mas se a religiosidade se resumir só nisso, corre o perigo de ser mera exterioridade.
Por verdadeira e varonil religiosidade, eu entendo muito mais. Entendo a ideia, que enche toda minha vida; o pensamento de que, em todo o meu ser cada pulsação do coração, a todo instante, com todos os meus pensamentos, sou humilde servo do Pai Onipotente, ao qual portanto gosto de rezar, cujas igrejas visito com alegria, mas a quem também quero servir a todas as horas, com todos os meus alentos. Para o jovem realmente religioso, rezar não é somente recitar o Pai Nosso, mas qualquer trabalho e o próprio recreio. Oração é sua refeição, seu estudo, o cumprimento de seus deveres, sua vida toda, porque quer com isso glorificar a Deus.
Vê, filho meu, isso é religiosidade varonil! Já refletiste desta maneira sobre o que quer dizer ser jovem religioso?
Que sabe de tudo isso o moço sem vibração de alma, para quem a religiosidade consiste em recitar sem atenção à noite, sua oração, e assistir à missa aos domingos porque está obrigado! Pobrezinho! Contenta-se com um fio de água, quando têm à mão torrentes copiosas de águas vivificantes.
Verdadeira religiosidade é alegria e consolação, estímulo e vibração na vida do homem.
Fonte: TOTH, Tihamér. A religião e a juventude. Taubaté, SP: Editora SCJ, 1951, p. 75-79.