Refletindo sobre Hawking

O texto que segue, é de autoria de Dom Henrique Soares, Bispo Auxiliar de Aracaju/SE, retirado de seu blog “Visão Cristã”.

“Meu caro Internauta, gostaria de retomar algumas questões colocadas naquele texto sobre o físico inglês, Stephen Hawking, e algumas percepções suas. É assim mesmo: a questão da existência de Deus sempre me apaixonou, pois daqui deriva todo um modo de conceber a existência e a razão mesma da nossa fé e de todas as decisões e opções que vamos assumindo ao longo da nossa breve existência sobre a terra.

Nunca tomei de modo leviano as objeções contra a existência de Deus; nunca zombei ou menosprezei quem, sinceramente, afirma que Deus não existe! É uma questão grave demais, urgente demais, totalizante demais para ser ignorada!

Três ideias do texto colocado anteriormente, ambas procedente do grande cientista inglês, fizeram-me ficar pensando, matutando, confrontando com a experiência minha e de tantos que ao longo da história acreditaram em Deus…

Questão 1:

Tomemos a percepção de Hawking de que “por haver uma lei como a gravidade, o universo pode e irá criar a ele mesmo do nada. A criação espontânea é a razão pela qual algo existe ao invés de não existir nada, é a razão pela qual o universo existe, pela qual nós existimos”. O Big Bang teria sido simplesmente uma consequência da lei da gravidade.

Observe, meu Leitor paciente, a contradição da assertiva: se o universo foi criado do “nada” tem necessariamente que haver algo que o tenha tirado desse nada: do nada só vem o nada, se for por iniciativa de nada! A lei da gravidade, diz Hawking, foi a causa de tudo! Pois bem! E de onde procede tal lei? Quem a colocou? Qual sua causa primeira? Compreende? É o velho dilema, já apresentado na filosofia grega e retomado em lances brilhantes por Santo Agostinho, Santo Anselmo de Cantuária, São Tomás de Aquino e outros filósofos. O universo clama e clamará sempre por um Ser que o tenha chamado do nada ao existir; um ser que lhe é anterior e com ele não se confunde nem dele depende!

Qual o erro fundamental do raciocínio de Hawking? Ele pensa Deus não como o Ser absoluto, necessário, eficiente e suficiente, transcendente ao universo (na linguagem bíblica, um Ser assim é chamado “Santo” = Separado, absolutamente Diferente), mas apenas como um ser entre outros; um ser grande, infinito, primordial, mas sempre um ser entre outros! Ora, isto não é Deus! Como já afirmava Santo Anselmo, Deus é aquele ser cujo maior não pode ser pensado; ele não é um ser; ele é o Ser que origina, envolve e sustenta continuamente todos os seres – a própria raiz do Nome revelado a Moisés revela esta realidade: Iahweh: do verbo hayah, ser em hebraico. Deus é o Além de tudo e o Aquém de tudo: está para lá de todo o universo e no mais íntimo desse mesmo universo; é seu Princípio absoluto e seu Fim/Finalidade defintiva; suscita e sustenta cada dinamismo existente no cosmo e, ao mesmo tempo, respeita com infinita soberania a consistência real desse mesmo cosmo e, sobretudo, da liberdade humana, por ele criada, motivada e sustentada! Assim, Deus não somente envolve o universo, mas, de dentro dele, o suscita continuamente e permanentemente o sustenta no seu ser e no seu vir-a-ser.

Para ilustrar um pouco o que acabo de afirmar: Por que aquela orquídea produziu tal flor tão deslumbrante? O botânico, com razão, dirá que é próprio da sua espécie, naquela época do ano, sob tais condições que a dita orquídea produza essa flor. Mas, o crente pode também afirmar sem medo algum de errar que a orquídea fez desabrochar aquela flor porque Deus assim o quis, porque a criou para isso, porque Deus é amor e é fiel ao que ele mesmo criou, imprimindo dinamismos na sua criação. São níveis de percepção bem diversos, mas o nível da fé não é menos real que o da ciência experimental. Mais ainda: se o nível da ciência é verificável e controlável até a evidência, o nível da fé é mais profundo e definitivo para a existência! A ciência desvela o dinamismo; mas é a fé que desvela o sentido radical que, em última análise, norteia e dá sabor à existência!

Questão 2:

Hawking coloca a hipótese de que, se a ciência um dia encontrar um modelo geral que descreva o dinamismo do universo globalmente, terá conhecido a mente de Deus.

Mais uma vez aparece a concepção insuficiente de quem seja Deus! Deus transcende absolutamente a sua criação! Ainda que soubéssemos absolutamente tudo sobre o criado; ainda que cada lei, cada dinamismo a ele inerente fosse descrito e compreendido pela ciência, estaríamos infinitamente – atenção: infinitamente – distantes da mente de Deus! Se Deus revela algo de si na criação, muito mais é o que nela permanece escondido do seu Criador! Já o IV Concílio de Latrão, em 1215 afirmava, de modo muito mais arguto que Stephen Hawking que “entre o Criador e a criatura, por quanto grande seja a semelhança, maior é a diferença”, de modo que qualquer semelhança entre Criador e criatura não passa de uma dessemelhança um pouco menos acentuada! Fique claro: o conceito de “ser” em Deus e no universo não é unívoco. Deus é; tudo o mais existe!

Interessante que, além dos bons filósofos e teólogos, também os místicos têm esta percepção. Particularmente estes últimos me impressionam: são íntimos de Deus, têm dele uma experiência impressionante, que nem a física nem a química nem a psicologia poderiam elucidar; e, no entanto, experimentam esse Deus tão próximo como infinitamente Distante, Outro, Diferente. Basta o testemunho impressionante de São João da Cruz: “Deus é para a alma durante esta vida nem mais nem menos que noite escura”; e ainda: “É impossível que o entendimento possa ir dar em Deus por meio das criaturas! O caminho para ir a ti, ó Deus, é caminho santo, isto é, de pureza de fé!” Por fim: “Tudo o que o entendimento pode entender… é muito dessemelhante e desproporcionado a Deus. Para chegar a ele antes há de ir não entendendo que querendo entender…” Aqui – que se note bem! – não se trata de menosprezar a razão e nem mesmo a procura por compreender, mastrata-se de se ter a consciência clara de que Deus está sempre, é sempre o Mais Além, o Outro, o Santíssimo!

Toda esta percepção da realidade de Deus é desconhecida e aviltada por Hawking! Seria muito bom que os cientistas tivessem muito cuidado para não caírem no erro em que os teólogos caíram no passado: não ultrapassarem seu âmbito de competência! No passado, os teólogos quiseram circunscrever as leis da natureza nos dogmas da fé. Erraram. Agora, alguns cientistas caem na tentação de julgar os dogmas da fé a partir das teorias científicas. Cometem o mesmíssimo erro! Pior ainda, pois a fé é mais abrangente e fundamental para o sentido da vida humana que a ciência! Assim, brincam com fogo, pois podem desestabilizar toda a existência humana, jogando-a no desespero do nada, do não-sentido, sobretudo hoje, com a facilidade da difusão das ideias e a aparente onipotência da ciência graças aos resultados imediatos proporcionados pela tecnologia.

Questão 3:

Hawking comparou a ciência e a religião durante uma entrevista, dizendo: “Há uma diferença fundamental na religião, que se baseia na autoridade, e na ciência, que se baseia na observação e na razão. A ciência vai ganhar porque ela funciona”

Não sei se Hawking falou exatamente assim. Se o fez, disse bobagem indigna de uma inteligência como a sua – mas ninguém é perfeito, sábio ou infalível o tempo todo!

É verdade que a ciência fundamenta-se na observação e na razão. É verdade que a religião se fundamenta na autoridade (de Deus que se revela e daqueles por ele constituídos como guardiães e intérpretes dessa revelação). Mas, atenção: a religião não é irracional! Ela tem sua racionalidade intrínseca. Já São Tomás de Aquino, um gênio mais arguto que Hawking, no século XII afirmava que não se deve crer se não houver razões para crer. Santo Anselmo dizia, no século XI, que a fé deve procurar compreender, ou seja, ela tem uma racionalidade, uma sua lógica interna. Se a fé ultrapassa os limites da razão experimental, no entanto não é irracional ou contra a razão!

Não tem sentido afirmar que a ciência ganhará da fé porque “funciona”! Primeiro, fé e razão não estão numa competição, mas em busca da Verdade, cada uma a seu modo, cada uma contribuindo com o que lhe é próprio, cada uma no seu nível de abordagem da realidade! Em segundo lugar, afirmar que a ciência funciona e, por isso, é superior à fé, chega a ser grotesco e leviano! Sem dúvida, a ciência, com seu cabedal de resultados técnicos, facilita a vida das pessoas e tem transformado profundamente a cultura humana. Mas, atenção: nenhum resultado científico responde as questões mais profundas que atormentam a humanidade: o sentido da vida, da dor, da solidão, do sofrimento, da história, da morte… A ciência não tem respostas para este nível de problema. E estes são os problemas definitivos do homem; são a expressão última da sua dignidade! Reduzir a vida a questões de satisfações de necessidades imediatas é indigno de alguém realmente inteligente como o Cientista inglês! O coração humano tem sede de muito mais que bens de consumo e facilidades tecnológicas! A sede de infinito e de vida que nos atormenta não pode ser saciada pela ciência. Não poderá nunca! Aliás, o próprio Hawking, afirmou, falando sobre a ciência: “Se chegássemos ao fim da linha, o espírito humano definharia e morreria. Mas não creio que um dia sossegaremos: aumentaremos em complexidade, se não em profundidade, e seremos sempre o centro de um horizonte de possibilidade em expansão”. Esta afirmação revela bem a insaciedade do coração humano! Ele dirá sempre: é mais além, é mais adiante, ainda não é isto! Esse Além, esse Destino, esta Saciedade, a ciência nunca poderá fornecer; ela é somente humilde e fascinante expressão da eterna inquietude humana, criada para o Mais Além!

A religião nunca será ultrapassada, nunca ficará obsoleta, pois responde as questões fundamentais do ser e do existir. Se o homem reduzisse seu horizonte ao imediato somente, ao consumo, ao bem estar material, ao fim estaria totalmente alienado e desfigurado. Matar Deus não dignifica o homem; o destrói simplesmente, pois o soterra numa asfixiante falta de sentido. Termino com um poema do Giacomo Leopardi, poeta italiano do século XIX, quando a ciência tinha a pretensão de explicar todo o universo. O poeta imagina um pastor cuidando do seu rebanho, deserto adentro, numa belíssima noite enluarada. E vêm-lhe insistentes pensamentos, dialogados com a lua de prateada:

“E sempre que te vejo

Estar tão muda assim sobre o deserto,

Que em seu limite incerto o céu confina,

Ou sobre o meu rebanho,

Indo, indo, a seguir-me bem de perto,

E olhando o céu de estrelas sobre as rochas,

Digo-me a mim, pensando:

Para que tantas tochas?

Que fazem o ar infindo e essa profunda,

Azul serenidade?

Que quer dizer a solidão imensa?

E eu que sou?”

Eis, caro Leitor! Perguntas para as quais nem Hawking nem a ciência têm ou terão respostas! Perguntas que só o homem pode fazer; perguntas que nos fazem homens! Se um dia, bêbados pelo que a técnica nos proporciona, deixássemos de fazê-las, já não seríamos humanos, mas apenas hominídeos!”

Sobre Alex C. Vasconcelos

Casado, 32 anos, pai de uma princesa, Advogado, Acólito na Paróquia do Divino Espírito Santo em Maceió/AL.
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